Dia Mundial da Dança

Uma reflexão de Luísa Taveira
30 abr 2021 - 00:00:00
luisa taveira

Luísa Taveira escreve-nos sobre o Dia Mundial da Dança

"Os bailarinos não têm de ser criadores inspirados e normalmente não o são.
 
Quando pedimos a um bailarino para improvisar, se ele previamente não tiver adquirido as ferramentas necessárias à improvisação e se esta não for devidamente orientada, o resultado é normalmente fraco e sem interesse. Mesmo quando as premissas anteriores se verificam, o resultado será ainda, a maior parte das vezes, muito fraco e sem interesse.
Os coreógrafos estão cientes de que 99% da improvisação que pedem aos seus bailarinos, mesmo nas melhores condições, é para deitar fora. E assim será, certamente, se o julgamento do criador for exigente e criterioso.
 
O que acontece é que os bailarinos, quando largados a uma improvisação ad lib, recorrem ao que têm mais à mão: plagiam o movimento deste e daquele coreógrafo com quem trabalharam, retirando o movimento do contexto, usam e abusam dos clichés ou de movimentos cristalizados de alguma técnica. O resultado é, naturalmente, de uma pobreza confrangedora.
 
Mas não há mal nenhum nisso.
O problema só surge quando alguém com responsabilidades (os próprios bailarinos, por vezes, mas não só) pensa que esses momentos são de grande criatividade, suficientemente válidos para fixar em vídeo, para divulgar nas redes sociais ou até para servirem como promoção de dias comemorativos da Dança, como se tem verificado ultimamente.
 
Não! A criação precisa de pensamento, de maturação, de trabalho, de esforço e personalidade. É quase sempre dolorosa e raras vezes resiste a impulsos vazios. Ser coreógrafo não é para todos e, infelizmente, a genialidade criativa é um bem muito raro.
 
A comunicação não presencial, que se foi burilando durante este último ano, não será integralmente uma regra do futuro, no que à Dança diz respeito. Mas o que de certeza não vai ser futuro, para bem de todos nós, e da Dança em particular, será a falta de discernimento sobre o que deve e o que não ser divulgado, o que tem e o que não tem qualidade.
 
Sem dúvida que o risco é e deve continuar a ser uma componente imprescindível desta arte. Não pode é confundir-se com indigência.
 
Estamos a viver tempos muito difíceis e mais difíceis ainda para uma arte como a Dança cujos problemas nenhuma visão política/administrativa deve desvalorizar.
Mas não pode valer tudo e a exigência artística não desaparece só porque durante a pandemia as condições são desfavoráveis. 
Aliás, muito pelo contrário, é agora que mais importa ser clarividente, saber escolher o trigo do joio e fixar cada vez mais a criação num patamar de excelência sem cair na tentação de a reduzir ao imediatismo da nossa cozinha.
 
Bom Dia Mundial da Dança"

texto de Luísa Taveira, antiga bailarina e diretora artística da Companhia Nacional de Bailado e membro do Conselho Geral de OEIRAS 27

 

OEIRAS 27, Damos Forma ao Futuro